No último domingo de outubro, a União Europeia atrasa os relógios uma hora – no Continente e na Madeira, às 02:00 atrasamos os relógios para a 01:00, enquanto nos Açores, à 01:00 volta a ser meia-noite. Já no último domingo de março acontece o oposto – no Continente e na Madeira, à 01:00 adiantamos os relógios para as 02:00, enquanto nos Açores, à meia-noite volta a ser 01:00.
A questão que se coloca sempre nestas alturas é: “Porque é que a hora muda?”
Em língua inglesa a hora de verão é conhecida como “Daylight Savings Time”, algo que se pode traduzir como “tempo de poupança de luz do dia”.
Os efeitos práticos deste atrasar e adiantar da hora são que, por exemplo no outono, no dia anterior à mudança, quem sai de casa para ir trabalhar por volta das 07:30 levanta-se de noite, com o Sol a pôr-se por volta das 18:30. Em compensação, no dia seguinte, às 07:30 já é de dia, mas o Sol põe-se logo às 17:30. Na primavera o efeito é oposto, com o Sol a nascer e a pôr-se mais tarde.
Assim, o propósito da hora de verão seria o de promover um melhor aproveitamento da luz do dia, levando a uma (eventual) poupança de energia. Este procedimento leva as pessoas alevantarem-se 1h mais cedo, aproveitando assim as primeiras horas de luz após o nascer do sol (já que de outra forma estariam a dormir). De forma semelhante, após o pôr do sol, a população deita-se, em média, uma hora mais cedo, permitindo a poupança de energia.
A primeira proposta de mudança de hora foi feita pelo entomologista neozelandês George Hudson, que propunha avançar o relógio 2 horas na primavera, e recuar duas horas no outono. A proposta, no entanto, tinha motivos um pouco egoístas – Hudson só queria mais 2 horas de luz para caçar insetos no verão.
Em 1907, William Willett (bisavô do vocalista dos Coldplay Chris Martin), publicou “The Waste of Daylight”, um panfleto onde afirmava que “Enquanto estamos a dormir, o Sol ilumina a terra durante várias horas”, pelo que só sobra “um breve período, quando a luz do dia começa a desaparecer, que podemos aproveitar para lazer”.
A ideia de Willett era simplesmente aumentar o tempo em que podemos aproveitar a luz do dia e ao mesmo tempo poupar energia, reduzindo o uso de luz artificial.
No entanto, ele propunha um atraso ou adiantamento progressivo, com os relógios a serem adiantados 20 minutos a cada domingo, durante o mês de abril, o que resultaria numa mudança de 1 hora e 20 minutos, entre final de abril e início de setembro, altura em que os relógios começariam a atrasar progressivamente.
Embora a ideia tivesse apoiantes de peso, como Winston Churchill e Sir Arthur Conan Doyle, acabou rejeitada pelo governo britânico.
No entanto, a mudança viria a ser adotada cerca de 10 anos depois, durante a 1ª Guerra Mundial, primeiro pela Alemanha e depois pela maioria dos países envolvidos na Guerra. Numa altura em que o carvão era a principal fonte de energia, havia a necessidade de reduzir o uso de luz artificial, para poupar o precioso combustível necessário para o esforço de guerra. Nessa altura, houve, de facto, uma poupança de energia.
Mas se o objetivo da mudança é aproveitar a iluminação do Sol, esta só funciona para países a latitudes médias.
Como o eixo de rotação da Terra é inclinado em relação ao plano do Sistema Solar, mais perto do equador a duração do dia muda muito pouco ao longo do ano, pelo que não há necessidade de mudança, para melhor aproveitar o tempo em que o Sol está acima do horizonte.
Conforme nos afastamos do equador, a duração do dia aumenta no verão e diminui no inverno, pelo que a mudança realmente maximiza o aproveitamento da luz do dia.
Contudo, conforme nos aproximamos dos pólos, a mudança volta a não ser vantajosa. Por exemplo, na região de Svalbard, na Noruega, com uma latitude de cerca de 80º norte, desde o fim de abril e até ao fim de agosto, o Sol nunca se põe, e desde o início de novembro e até meados de fevereiro, o Sol nunca nasce! Adiantar ou atrasar a hora torna-se, assim, inútil.
Por isso, assim como na história da menina dos caracóis dourados e dos três ursos, só para as latitudes médias, nem demasiado perto do equador, nem demasiado perto dos pólos é que a hora de verão significa uma verdadeira “poupança de luz do dia”.
Em 1996, a União Europeia, através da Comissão da Hora, decidiu padronizar a hora de verão entre os Estados-membros. Deste modo, todos os países da União Europeia (e por arrasto, os restantes países europeus, com algumas exceções, como a Islândia e a Rússia) concordaram em implementar a hora de verão.
A convenção é de avançar os relógios 60 minutos à 01:00 UTC (Tempo Universal Coordenado) do último domingo de março e voltar a atrasá-los 60 minutos, quando for 01:00 UTC (2:00 em Portugal Continental) do último domingo de outubro. Note-se que o facto de se ter escolhido 01:00 UTC para a mudança, e não meia-noite, é para evitar que haja lugar a uma mudança de data.
Em 2018, o Parlamento Europeu lançou um inquérito online para determinar se os cidadãos da União Europeia preferiam manter ou terminar com a mudança de hora. Apesar da maioria dos votos ter sido a favor de acabar com a mudança da hora, a verdade é que só 0,85% dos Europeus votaram neste inquérito, dos quais quase 70% eram alemães.
O voto alemão é compreensível: no dia do solstício de verão, Berlim tem mais duas horas de luz do dia do que Lisboa, enquanto no solstício de inverno, o dia dura menos duas horas do que na capital portuguesa, com o Sol a nascer por volta das 8h15 e a pôr-se antes das 16h00. Assim se explica que, na Alemanha, a mudança é irrelevante em termos de aproveitamento de luz solar.
Baseado nos resultados deste inquérito, em 2019 o Parlamento Europeu votou para terminar a mudança da hora, em 2021. No entanto, o Conselho da União Europeia exigiu que a Comissão Europeia elaborasse um estudo do impacto detalhado que o fim da mudança acarretaria, que ainda está por elaborar.
Há variadíssimos estudos que analisam desde o impacto no consumo de energia, número de acidentes rodoviários, as perturbações do ciclo circadiano (o nosso relógio biológico), o impacto na economia e até o simples bem-estar da população.
Destes estudos, uns apontam para vantagens em manter a mudança (por exemplo, sair para a escola ainda de noite, no pico do inverno, aumenta a hipótese de atropelamento das crianças), outros mostram vantagens em manter a mesma hora durante todo o ano (o stress da mudança pode ser nocivo para a saúde de pessoas imunodeprimidas ou com doenças de sono) e há outros que afirmam não haver qualquer diferença entre manter ou não a mudança (como por exemplo, este relatório do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, que analisa o impacto da mudança da hora legal na penetração da geração de energia renovável no consumo).
Em Portugal, a Comissão Permanente da Hora é o órgão consultivo do Governo da República, que “tem por finalidade estudar, propor e fazer cumprir as medidas de natureza científica e regulamentar ligadas ao regime de hora legal e aos problemas da hora científica”.
Em 2018, a propósito do inquérito online do Parlamento Europeu, esta comissão elaborou um parecer sobre o fim da mudança da hora: “A Hora Legal Portuguesa: O Impacto da Hora de Verão; A Escolha da Hora Legal”.
Neste parecer, a Comissão conclui que “nenhuma das hipóteses sem Hora de Verão é uma boa solução para o país, sendo a escolha UTC+1 a pior delas”. Manter UTC+1 corresponderia a manter permanentemente a hora de verão, algo semelhante ao que aconteceu entre 1992 e 1996, durante o governo de Cavaco Silva, quando Portugal adotou o fuso horário CET (Central European Time), o mesmo que o resto da Europa. Nessa altura, no pico do inverno, o Sol nascia por volta das 9h00.
A justificação dada é que, embora pequena, “existe poupança de energia e as perturbações do sono provocadas pela mudança para a hora de verão são mínimas”.
No entanto, em 2021, um conjunto de peritos assinou a Declaração de Barcelona sobre Políticas do Tempo, sustentando que se deve acabar com a mudança pois esta “não têm efeitos significativos na poupança energética, melhora a saúde, a economia, a segurança e o meio ambiente”.
Mas então, ganhamos alguma coisa com a mudança? Infelizmente, a resposta é… “nim”!
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